Artigo

A MULTA PREVISTA NO ARTIGO 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:
LIMITES QUANTITATIVOS E MOMENTO DE SUA EXIGIBILIDADE

 

Gilberto Antonio Medeiros
Advogado em São Paulo.
Especialista em Direito Empresarial e Direito Processual Civil.
Professor de Direito Processual Civil.
Mestrando em Direito das Relações Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

-------------------------------------------------

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Abrangência do termo "obrigação" no contexto do artigo 461 do Código de Processo Civil; 3. O retardamento no cumprimento da obrigação e suas conseqüências jurídicas; 4. Das obrigações fungíveis e não fungíveis — Aplicabilidade da multa; 5. Natureza jurídica da multa; 6. Multa diária e multa fixa — Hipóteses de cabimento; 7. Execução da multa 8. Limites temporais da multa — termo inicial e final; 9. Limites quantitativos da multa — Parâmetros para o seu arbitramento; 10. Momento de sua exigibilidade; 11. Conclusão; 12. Bibliografia.

 

1. Introdução

Com o advento da Lei nº 8.952/94, foram introduzidas modificações ao atual Código de Processo Civil, dentre as quais a inclusão do parágrafo 4º ao art. 461, possibilitando ao juiz da causa, independentemente do requerimento do autor, e antes mesmo da prolação da sentença, a imposição de multa diária ao réu, para que este cumpra com sua obrigação.

Não obstante, o legislador de 1973 já havia introduzido no atual Código (arts. 287, 644, 645 e 921, II) a aplicação das penas cominatórias.

Denota-se daí, a clara intenção e evolução do legislador na aplicação do princípio da probidade, através de uma coação de caráter econômico, no sentido de influir no ânimo do devedor, psicologicamente, para que este cumpra a prestação de que está se esquivando.

Os dispositivos acima nada mais são do que a aplicação, em nosso direito pátrio, das astreintes, instituto de origem francesa, que tem significante relevância em nosso ordenamento jurídico atual.

No entanto, em quais circunstâncias este instituto pode ser utilizado; e ainda, quais os parâmetros que orientarão o julgador quanto aos limites quantitativos do arbitramento da multa e em que momento se deve o credor proceder à sua execução? O ordenamento positivo é omisso a estas questões.

Assim, o presente trabalho tem por finalidade a análise destas circunstâncias.

 

2. Abrangência do termo "obrigação" no contexto do artigo 461 do Código de Processo Civil

Primeiramente, cumpre traçarmos um breve estudo sobre o sentido do termo obrigação, empregado no artigo em comento, para então definirmos quais as situações que ensejam a tutela específica.

O termo obrigação, no sentido técnico, não é sinônimo de "dever jurídico", por ser este um conceito mais abrangente. O dever jurídico compreende um dever legal de comportamento, ativo ou omissivo, justificado por um interesse alheio ao do sujeito vinculado à imposição, e sua inobservância acarreta, necessariamente, uma sanção pré-estabelecida pelo ordenamento jurídico, enquanto que a obrigação é apenas uma das categorias de dever jurídico, caracterizada pelo dever de cumprimento às normas de conduta humana, não necessariamente especificadas no ordenamento legal.

Assim, nem todo dever jurídico representa uma obrigação, mas toda obrigação se insere num dever jurídico.

O sentido empregado pelo artigo 461 do Código Processual não se limita às obrigações em sentido técnico, mas estende-se a todo dever jurídico de fazer o 1deixar de fazer alguma coisa, independentemente de se tratar de direito obrigacional, na clássica subdivisão estabelecida pelo Código Civil.

O artigo 461 pode ser aplicado a qualquer tipo de conduta humana que viole direitos, podendo, estes, estarem inseridos no campo obrigacional, real, de família ou de sucessões. Desta forma, conforme exemplo citado por Eduardo Talamini , a tutela específica pode ser empregada inclusive para "impedir o início ou a continuidade de condutas também tipificadas como crime", pois "a circunstância de determinados comportamentos, em tese, poderem ser evitados ou reprimidos diretamente pela ação policial não obsta o recurso à tutela jurisdicional civil, que se mostrará, por vezes, mais eficiente".

Assim, a tutela contida no artigo 461 pode ser utilizada de forma ampla, para atingir, inclusive, situações jurídicas genéricas, desamparadas de exigibilidade específica.

 

3. O retardamento no cumprimento do dever e suas conseqüências jurídicas

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, assegura a todos o direito a uma ordem jurídica justa. Esta ordem jurídica justa equivale a uma decisão efetiva, adequada e, também, tempestiva, ou seja, o pronunciamento judicial deve ser dado dentro de um prazo razoável, sob pena da descaracterização de sua justiça .

Durante muito tempo, foi objeto de preocupação por parte dos estudiosos e aplicadores do direito tão somente a segurança das decisões judiciais, ou seja, a perfeita aplicabilidade do direito material ao caso concreto.

No entanto, hoje é crescente a busca pela efetividade do processo. Percebe-se a necessidade da criação de meios que tornem a justiça mais célere e eficaz, sem que seja afetada sua segurança, pois "ao Estado, como detentor da jurisdição, não basta garantir a tutela jurídica; não basta instituir o processo e assegurar o socorro, que é a paz social, por intermédio da manutenção do império da lei, não se pode contentar com a simples outorga à parte do direito de ação. Urge assegurar-lhe, também, e principalmente, o atingimento do fim precípuo do processo, que é a solução justa".

Esta consciência há muito já fora expressa de forma dispositiva em vários ordenamentos jurídicos. No Brasil, o direito vem gradativamente se adaptando ao clamor social de uma tutela jurisdicional mais célere.

Sob a luz das diretrizes traçadas por esta nova tendência do direito processual, foi promulgada a lei nº 8.952/94, a qual, no intuito de coagir o devedor a cumprir sua obrigação de fazer ou não fazer, possibilitou ao juiz a imposição de multa diária pelo descumprimento do dever.

A cominação da multa tem caráter coercitivo. Advém em razão do descumprimento à determinação judicial, o que permite o reconhecimento de certa carga de eficácia mandamental.

 

4. Das obrigações fungíveis e não fungíveis — Aplicabilidade da multa

Diante do quanto observado no segundo tópico deste trabalho, trataremos a obrigação de fazer ou não fazer como sendo um dever, em sentido amplo. Neste diapasão, trataremos dos deveres fungíveis e não fungíveis.

Sendo o dever de fazer consistente na imposição da consecução de determinado ato, podemos subdividi-lo em dever fungível ou infungível, quando puder, este ato, ser realizado por outra pessoa, ou não, respectivamente.

A observância desta subdivisão se torna essencial para o estudo da multa prevista para o descumprimento do dever, estabelecida no parágrafo 4º do artigo em comento, pois, numa primeira análise, somente teria aplicabilidade nos casos de dever infungível, posto que quando fungível o dever, a possibilidade de sua realização por terceiro injustificaria aplicação da multa diária ao descumpridor da obrigação.

No entanto, a possibilidade do emprego de meios sub-rogatórios não é óbice para que o credor busque o cumprimento da obrigação pelo próprio réu , coagindo-o com a intimidação da multa, até mesmo pela onerosidade que representa a contratação de terceiro para realização do dever.

Nem mesmo os termos contidos no artigo 287 do Código de Processo Civil, que condiciona a multa a deveres infungíveis, amparam entendimento contrário. É que este dispositivo legal encontra-se superado, porque incompatível com a reforma processual ocorrida em 1994.

Nas palavras de Eduardo Talamini, o artigo 287, sob este aspecto, "é preceito anacrônico no sistema vigente; está revogado. Não há como dele extrair limitação da multa aos deveres infungíveis".

 

5. Natureza jurídica da multa

Encontra-se superado o entendimento há muito tempo mantido de que a multa estabelecida no parágrafo 4º do artigo 461 teria natureza indenizatória. O próprio artigo 2º do artigo comentado veio a descartar-lhe esta natureza, ao determinar que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa", o que basta para distinguirmos os dois institutos.

Assim, não visa, esta multa, ressarcir o autor, nem mesmo compensá-lo pela demora da efetividade da tutela pretendida, mas sim, coagir o réu a cumprir o determinado no provimento jurisdicional.

Neste diapasão, temos que a multa estabelecida no parágrafo 4º é uma medida indutiva negativa (coercitiva), tendo natureza jurídica mandamental, imposta a fim de dar efetividade à determinação judicial.

 

6. Multa diária e multa fixa — Hipóteses do cabimento

O ordenamento prevê multa diária para o caso de não cumprimento do dever de fazer ou de não fazer estabelecido na determinação juidicial. Ocorre que, nos casos em que o dever consiste num ato omissivo, ou seja, não fazer, a aplicação de multa diária se torna inaplicável. Podemos citar como exemplo, o dever de não praticar um determinado ato: não há como se estabelecer uma multa diária no caso de não cumprimento do dever; melhor eficácia teria a cominação de uma multa fixa, se praticado o ato vedado.

Também há obrigações de fazer que, por serem exauríveis num único momento, já não há mais como se fixar multa diária pelo não cumprimento. Como exemplo, citamos o dever de prestar um serviço numa ocasião única e específica (um evento, por exemplo): transcorrida a situação em que era necessário o serviço, a imposição de multa diária se torna impraticável.

Atento a estas circunstâncias, o Código Civil português, em seu artigo 829-A, distinguiu as formas de cominações: "nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso...".

Quanto à previsão legal para a aplicabilidade da multa fixa, entendemos encontrar amparo no mesmo instituto da multa diária, prevista no parágrafo 4º, pois somente se distingue desta quanto ao instrumento coercitivo. Mesmo se assim não fosse, o parágrafo 5º do artigo 461 autoriza a utilização de qualquer outro meio coercitivo, podendo nele também residir o amparo legal para a multa fixa, quando inaplicável ou ineficaz a multa diária.

 

7. Execução da multa

Tema de grande reflexão, a execução da multa cominatória tem causado discussões doutrinárias entre os operadores do direito, uma vez que ainda hoje há divergências acentuadas a respeito do termo "a quo" de sua exigibilidade, bem como dúvidas sobre o parâmetro a ser seguido para o cálculo do seu valor.

Procuraremos, a seguir, discorrer sobre as principais dúvidas surgidas a este respeito.

 

8. Limites temporais da multa — termo inicial e final

O termo inicial da multa será sempre imediatamente após o transcurso do prazo concedido para o cumprimento da obrigação. Nos casos em que a determinação do pagamento da multa vier inserta na sentença, esta não será exigível desde logo se interposto recurso de apelação com efeito suspensivo, mas tão somente após o trânsito em julgado da decisão que confirmar a sentença, se outro recurso não houver.

No entanto, cumpre ressaltar que, no nosso entendimento, se encontra suspensa somente a exigibilidade da multa, não sua incidência. Transitado em julgado a decisão, seu valor será calculado desde o momento em que a obrigação seria satisfeita, pois, se assim não fosse, haveria um incentivo aos recursos meramente procrastinatórios. Neste sentido se posiciona Theotônio Negrão, ao entender que, "intimado o réu e decorrido o prazo marcado pelo juiz, contado dessa intimação, incide de pleno direito a multa".

No entanto, este entendimento não é unânime.

Na hipótese de decisão posterior diminuir o valor da multa estabelecido na sentença, em razão de uma nova situação observada (ressalte-se que as circunstâncias de cada caso, tais como a situação econômica do devedor, devem influenciar no arbitramento), "o novo valor incidirá apenas a partir dos fatos que ensejaram a mudança", ao contrário do que ocorre na Argentina e na França, pois a revisão da multa em nosso ordenamento jurídico só tem efeito retroativo quando houver defeito em sua fixação.

Com relação ao termo final da multa, este será, sempre, a data do cumprimento da obrigação, enquanto houver possibilidade de seu cumprimento, pois cessando esta possibilidade, haverá a conversão em perdas e danos.

 

9. Limites quantitativos da multa — Parâmetros para o seu arbitramento

Nosso direito positivo não dispõe expressamente sobre os parâmetros a serem seguidos para fixação do valor da multa, fazendo referência tão somente a sua "suficiência" e "compatibilidade" com a obrigação, não seguindo a orientação do direito argentino, o qual determina explicitamente que a fixação da multa "en proporción al caudal econômico" do devedor.

Fato é que para que a multa atinja seu objetivo é imprescindível que esta seja imposta em valor suficiente para convencer o devedor a adimplir sua obrigação. Logo, necessariamente deverá haver correspondência entre o valor estabelecido e a situação econômica do devedor. "Isto porque, dependendo do valor estabelecido para a multa, pode ser conveniente ao réu suportá-la para, livremente, praticar o ato que se deseja ver inibido".

Outrossim, há entendimento, hoje minoritário, de que deve ser observado, como limite da multa, o bem jurídico perseguido, entendimento este que também não encontra respaldo em outros ordenamentos jurídicos.

De fato, conforme a finalidade da multa é que será fixado seu valor; mas isto não significa necessariamente que o valor da multa esteja limitado ao da obrigação, nem mesmo aos danos decorrentes da inadimplência. A multa deverá ser arbitrada de forma que efetivamente influa no desempenho do devedor, fato este que, dependendo da sua situação econômica, pode resultar num "quantum" que exceda ao valor atribuído ao bem jurídico protegido pela obrigação de fazer ou não fazer.

Inaplicável ao caso é o disposto no artigo 920 do Código Civil, o qual limita o valor da cominação imposta na cláusula penal ao valor da obrigação principal, em razão de que a multa cominatória tem natureza jurídica diversa da cláusula penal: enquanto esta tem seu limite estabelecido do mencionado dispositivo legal, aquela fica ao livre arbítrio do juiz, pois tem caráter nitidamente coercitivo.

O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão recente, entendeu que "há diferença nítida entre a cláusula penal, pouco importando seja a multa nela prevista moratória ou compensatória, e a multa cominatória, própria para garantir o processo por meio do qual pretende a parte a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer. E a diferença é, exatamente, a incidência das regras jurídicas específicas para cada qual. Se o juiz condena a parte ré ao pagamento da multa prevista na cláusula penal avençada pelas partes, está presente a limitação contida no art. 920 do Código Civil. Se, ao contrário, cuida-se de multa cominatória em obrigação de fazer ou não fazer, decorrente de título judicial, para garantir a efetividade do processo, ou seja, o cumprimento da obrigação, está presente o art. 644 do Código de Processo Civil, com o que não há teto para o valor da cominação" (STJ, 3ª Turma, Resp. 196262/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11/09/2000).

Mas, ainda que se reconheça a inexistência de critérios objetivos para sua fixação, o valor da multa não é ato discricionário do juiz, podendo ser reexaminada pela instância superior, quando claramente insuficiente para coação do devedor, ou incompatível com sua situação financeira.

Há possibilidade do juiz estabelecer, inclusive, a multa progressiva em caso de continuada resistência por parte do devedor, ou seja, uma multa que majore automaticamente seu valor. E isto porque o devedor poderá resistir ao valor inicialmente arbitrado, e sua majoração poderá desestimular sua inadimplência. Semelhante disposição é encontrada no artigo 37 do Código de Processo Civil argentino: "los jueces y tribunales podrán imponer sanciones pecuniárias compulsivas y progressivas tendientes a que las partes cumplan sus mandatos, cuyo importe será a favor del litigante perjudicado por el incumplimento ..."

 

10. Momento de sua exigibilidade

Primeiramente, convém distinguirmos o momento da exigibilidade da multa e momento de sua incidência. A incidência constitui a data a partir da qual será calculada a multa. Já a exigibilidade é o momento a partir do qual o credor pode cobrá-la.

Quanto ao momento da exigibilidade da multa, nos deparamos com duas situações: ou a multa é exigível logo após tornar-se eficaz a decisão que a determinou (nos casos de tutela antecipada e não interposição de agravo de instrumento, ou do trânsito em julgado deste); ou somente seria após o trânsito em julgado da sentença de mérito.

Para a análise desta problemática, necessário se faz breve interpretação teleológica do preceito contido no parágrafo 4º do artigo 461 do Código Processo Civil: já vimos, em tópico anterior deste trabalho, que o dispositivo em comento visa, essencialmente, coagir o devedor a cumprir a obrigação inadimplida. Busca dar maior efetividade ao processo.

A imediatividade é a maior arma da justiça na busca pela efetividade do processo, pois, em muitos casos, as partes deixam de cumprir um dever (seja ele contratual, ou mesmo judicial), em razão do tempo de resposta do judiciário a esta inadimplência.

Sob este prisma, nos casos de fixação de multa em sede de tutela antecipada, seria de todo ineficaz se estabelecer que somente após o trânsito em julgado desta decisão o credor pudesse exigir seu crédito decorrente da multa, pois embarcaríamos novamente no velho problema da inefetividade do processo.

Nas palavras de Eduardo Talamini, "a inexigibilidade imediata da multa que acompanha a tutela antecipada retira boa parte da eficiência concreta do meio coercitivo e, conseqüentemente, das próprias chances de sucesso da antecipação. A ameaça de pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica".

Muito embora a Lei 7.347, de 24.07.1985 (Lei da Ação Civil Pública), em seu art. 12, parágrafo 2º, disponha sobre o tema, determinando que "a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após a trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento" , no entendimento de Eduardo Talamini, ao qual nos filiamos, este dispositivo não pode ser utilizado analogicamente para os demais casos de multa cominatória previstos no ordenamento, pois trata-se de regra especial, não podendo ser estendida à disciplina geral da tutela dos deveres de fazer e de não fazer.

Já com relação à multa fixada na sentença de mérito, o entendimento unânime é que esta somente se torna exigível após o trânsito em julgado da decisão. Como o efeito suspensivo é regra nos recursos de apelação, nem mesmo a determinação do cumprimento do dever é exigida antes da preclusão da sentença. Neste sentido: "quando a sentença impõe multa e não é interposto recurso de apelação, tem ela eficácia a partir do momento em que se opera o trânsito em julgado. Quando é interposto o recurso de apelação e este é recebido no duplo efeito, a sentença e conseqüentemente a multa permanecem sem produzir efeitos."

No entanto, nada obsta que, sendo o recurso recebido somente no efeito devolutivo, seja a multa exigível já a partir do prazo estipulado na sentença para cumprimento do dever, caso em que esta execução será provisória, com a observância do disposto no art. 588 do Código de Processo Civil.

Reformada a decisão de mérito que julgou procedente a ação, se o autor já tiver recebido o valor correspondente à multa, deverá proceder à sua devolução, muito embora já tenha havido manifestação do sentido de que ainda assim a multa seria devida, pois teria havido o descumprimento da ordem judicial. Não nos parece apropriado este entendimento, diante da finalidade da multa cominatória, que é, não uma sanção pelo descumprimento da ordem judicial, mas, sim, uma forma de coação para que o devedor cumpra sua obrigação. Reconhecido que ele não teria esta obrigação, não há mais sentido a imposição da multa.

 

11. Conclusão

O acolhimento da multa ora estudada pelo nosso ordenamento jurídico atual, com sua tipicidade própria, é, sem dúvida, uma das aplicações do princípio da probidade, que se nota no âmago do dispositivo abordado.

Nota-se, pois, o alto sentido ético do legislador, o que coaduna com a moderna corrente doutrinária e jurisprudencial, que anseia pela efetividade do processo.

Visa, portanto, romper a resistência obstinada e, talvez, ímproba do devedor da obrigação que, além de lesar o direito do credor, muitas vezes zomba da autoridade do Estado, representada pelo Poder Judiciário, não cumprindo a obrigação que lhe foi imposta.

Ë um modo, assim, de zelar pela própria dignidade da Justiça, como entidade sócio-política, utilizando-se de todos os meios legais e civilizados para fazer cumprir a determinação judicial, sem violentar a pessoa humana.

Por estas razões, a multa prevista no artigo em estudo deve ser fixada em valor significativamente alto, face ao seu caráter inibitório, e, assim, não se pode ter o receio de que o valor impossibilitará seu pagamento. Seu objetivo não é obrigar o devedor da obrigação ao seu pagamento, mas sim que cumpra a obrigação na forma específica, forçando-o a preferir cumprir a obrigação, a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz.

A inclusão da multa em estudo em nosso ordenamento jurídico constitui, portanto, inegável avanço, na medida em que de uma só vez atinge dois objetivos: a prestação da tutela jurisdicional ao autor, forçando o devedor, através de uma coação econômica, a cumprir a obrigação específica determinada pelo juiz da causa; e a aplicação do princípio da probidade, prestigiando o império do Poder Judiciário, como legítimo representante do Estado.

 

12. Bibliografia

ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 5ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais 1998.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 1999.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. 1ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2001.
SOARES, Rogério Aguiar Munhoz. Tutela jurisdicional diferenciada - Tutelas de urgência e medidas liminares em geral. 1ª edição . São Paulo. Editora Malheiros. 2000.
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. 1ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2001.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução. 18ª edição. São Paulo. Editora LEUD. 1997.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2000.