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Artigo
DESMISTIFICANDO A MOROSIDADE
DO JUDICIÁRIO
Gilberto Antonio Medeiros
Advogado em São Paulo.
Especialista em Direito Empresarial e Direito Processual Civil.
Professor de Direito Processual Civil.
Mestrando em Direito das Relações Sociais pela
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.
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Que o nosso Poder Judiciário é
moroso, sofre de problemas crônicos, e que não acompanhou
a evolução de nossa sociedade — ressalvadas as devidas
proporções, a forma de condução dos
processos é a mesma utilizada no início do século
XX (até hoje, em alguns casos, costura-se os autos à
linha!) —, todos sabemos.
Também sabemos que foi transformado
em um sistema excessivamente burocrático, lento, repleto
de formalismos e recursos, de forma que não atende mais à
demanda de seus usuários. Essa situação causa
uma sensação coletiva de ineficácia e de incredulidade
quanto à Justiça, o que faz com que a sociedade se
afaste cada vez mais do Judiciário.
As críticas feitas no ano passado pelo
presidente Lula (a tão propalada "caixa preta")
e pela relatora das Nações Unidas para execuções
sumárias, Asma Jahandir; a ameaça de greve dos magistrados
no episódio da reforma da Previdência — que passou
a impressão à sociedade de se tratar de uma corporação
que luta por seus privilégios (não se questiona aqui
se seus motivos eram justos ou não) —; as investigações
envolvendo casos de corrupção de magistrados e as
discussões a respeito do controle externo do Judiciário,
contribuíram ainda mais para arranhar a imagem da instituição.
Obviamente, essa situação causa
graves problemas sócio-econômicos ao nosso país.
Essa "eternização" das demandas (e a conseqüente
insegurança jurídica) afasta o cidadão comum
do Judiciário (há uma descrença da sociedade
quanto à Justiça), e causa impacto negativo na economia,
na medida em que a lentidão e a ineficácia privilegiam
o devedor, que em vez de pagar hoje pagará daqui a oito,
dez, doze anos, e com juros inferiores aos praticados pelo mercado
(e isso se pagar), o que causa o aumento do custo dos empréstimos
(o sistema financeiro, por conta do risco, acrescenta entre 10%
e 30% ao custo total dos empréstimos), a quebra de empresas
(e consequentemente desemprego), o afastamento de investidores externos
etc.
A nova Lei de Falências que tramita pelo
congresso visa, dentre outras coisas, conferir mais segurança
ao sistema financeiro, possibilitando a diminuição
do custo dos empréstimos, o que também atende a uma
das metas estipuladas pelo Fundo Monetário Internacional
ao Brasil.
Por todas essas razões, desejamos um
Poder Judiciário que propicie, primordialmente, rapidez e
transparência nas decisões, eficácia e acessibilidade
a todos, de forma a restaurar a segurança jurídica
que a sociedade espera.
Ocorre que os problemas detectados acima decorrem
muito mais de questões sociais, econômicas e políticas,
do que propriamente da instituição ou de seus integrantes.
A grande maioria dos nossos magistrados é
altamente capacitada para desenvolver a judicatura, mas o nosso
sistema jurídico não permite que os processos sejam
rápidos.
Explica-se: a fim de se garantir segurança
jurídica, nosso sistema constitucional prevê que "aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes" (Art. 5º, LV,
da Constituição Federal). Esses princípios
são importantíssimos, na medida em que são
garantidores do Estado Democrático de Direito, e sua inobservância
pode acarretar a nulidade do processo, no entanto, um advogado habilidoso
que utilize este legítimo direito para procrastinar o processo,
poderá "eternizar" o seu desfecho.
Para se ter uma idéia, tanto um processo
civil comum, como um processo trabalhista, pode demorar dez anos
para ser concluído, face à obrigatoriedade de se observar
todos os atos e prazos processuais (sob pena de nulidade), e face
à possibilidade de diversos recursos. Quando isso ocorrer
(término), muitos processos já terão perdido
o sentido e outros tantos não conseguirão alcançar
o seu objetivo. Diversos são os casos em que o autor ou réu
de um processo morre antes de tê-lo concluído.
Os processos criminais, em regra, são
mais rápidos, principalmente quando se trata de réu
preso, no entanto representam uma quantidade muito pequena em relação
aos demais processos que abarrotam o Judiciário.
Não bastasse esse emaranhado de atos
processuais e recursos, o que por si já é suficiente
para justificar a morosidade e, por vezes, pouca efetividade do
Judiciário, outro motivo é que a quantidade de juízes
e funcionários é insuficiente para administrar, de
forma adequada, o bom andamento dos processos (o que também
pode provocar falhas técnicas, e consequentemente injustiças).
Enquanto a média internacional considerada adequada para
a administração da justiça é de um magistrado
para cada grupo de 7000 habitantes, no Brasil há um magistrado
para cada grupo de 14000 habitantes.
A situação em São Paulo,
por exemplo, é caótica. Cada juiz de primeiro instância
recebe anualmente aproximadamente 3500 processos, que se somam aos
já existentes. Há aproximadamente 450.000 processos
a serem distribuídos perante a segunda instância em
São Paulo, junto aos Tribunais que a compõem (Tribunal
de Justiça, Primeiro Tribunal de Alçada Civil, Segundo
Tribunal de Alçada Civil e Tribunal de Alçada Criminal),
o que na prática significa que a grande maioria dos processos
(excluindo-se os que têm prioridade de tramitação
e os processos criminais), ao dar entrada em um desses Tribunais,
ficará parado por no mínimo três anos, esperando
para ser distribuído a uma das câmaras julgadoras.
E isso para ser distribuído! Daí ao julgamento já
é outra história.
Na tentativa de desafogar esses Tribunais,
o Tribunal de Justiça de São Paulo criou, recentemente,
uma resolução atribuindo ao Tribunal de Alçada
criminal competência para julgar processos cíveis.
Ocorre que, independentemente de se analisar a legalidade dessa
resolução (o que vem sendo questionado pelo próprio
Tribunal de Alçada Criminal), não é muito apropriado
atribuir a um Tribunal especializado em julgamentos criminais, competência
para julgar matéria civil.
A situação perante a nossa mais
alta Corte, o Supremo Tribunal Federal — STF —, não é
diferente. Enquanto a Suprema Corte norte-americana julga aproximadamente
100 processos por ano, o nosso STF, com apenas onze ministros, julgou
em 2003 aproximadamente 150.000 processos (fonte: Banco de Dados
do STF). Como conseguiram? Não me perguntem...
Há, ainda, outros motivos que contribuem
para a lentidão da justiça, como a carência
de recursos financeiros, o atraso tecnológico, a cultura
do "recorrer por recorrer", a obrigação
dos procuradores públicos recorrerem sempre que o Estado
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) for
derrotado em um processo (sob pena de poder responder civil e criminalmente
por não ter recorrido) etc.
Não basta, no entanto, apenas apontarmos
as causas da lentidão e da pouca efetividade do nosso sistema.
É preciso, acima de tudo, que apresentemos sugestões
que visem contribuir com as mudanças que esperamos, principalmente
no momento em que se discute a reforma do Judiciário.
Passarei, portanto, a apresentar algumas sugestões
que poderão dar maior rapidez e efetividade aos processos
e ao nosso Judiciário, objetivando por em discussão
o tema perante a sociedade.
Como mencionado acima, a carência de
juízes e funcionários em nosso Judiciário é
uma das causas de sua morosidade e pouca efetividade. Num primeiro
momento poderíamos pensar, então, que criar novas
vagas para esses funcionários públicos seria a solução
para esse problema. No entanto, não é bem assim. Claro
que o aumento de magistrados contribuiria para a celeridade dos
processos, mas não é suficiente para que alcancemos
as mudanças que procuramos.
É preciso que também se faça
investimentos maciços em tecnologia (informatização
e outros meios eletrônicos), o que proporcionaria maior agilidade
na condução dos processos.
Essa evolução tecnológica,
aliada à criação de mecanismos de segurança
que evitem fraudes, talvez possibilite que em um futuro próximo
tenhamos todo o processo na tela de nossos computadores, disponível
para consultas e para a prática dos atos processuais (citações,
intimações, juntada de petições, realização
de audiências etc.).
É preciso, também, que modernizemos
nossas leis, de modo a conferir mais efetividade ao processo. A
título de ilustração de como certas medidas,
relativamente simples, podem alcançar esse objetivo, cito
o exemplo da Justiça do Trabalho, que recentemente adotou
uma solução interessante para conferir maior efetividade
na execução das sentenças. Através de
um convênio com o Banco Central, denominado BACEN/JUD, adotou-se
a penhora eletrônica (denominada penhora "on-line")
de créditos bancários dos devedores, o que proporciona
resultados rápidos. Apesar de polêmica (porquanto se
questiona sua legalidade), essa medida demonstrou-se bastante eficaz.
Não é só. Precisamos também
combater a cultura do recurso protelatório. Não se
trata de passar por cima dos institutos garantidores do Estado Democrático
de Direito, mas apenas modificar nosso sistema recursal (sem afrontar
a Constituição Federal), para diminuir a quantidade
de recursos possíveis e para adotar a súmula de efeito
vinculante (ou impeditiva de recurso) nas ações que
envolvam os entes públicos (nos casos onde a matéria
discutida já estiver pacificada no Superior Tribunal de Justiça
e/ou no Supremo Tribunal Federal).
Outra solução que penso ser interessante,
também através de mudança em nossa legislação,
seria dar maior amplitude aos Juizados Especiais Cíveis (antigo
Juizado Especial de Pequenas Causas). Hoje esses Juizados, que têm
como princípio os critérios da simplicidade, informalidade
e celeridade o que faz com os processos sejam mais rápidos
e efetivos - têm competência para apreciar causas cujo
valor não exceda 40 salários mínimos. Considerando-se,
então, que o valor da grande maioria das causas que dão
entrada no Judiciário não excede 100 salários
mínimos, por que não ampliar a competência dos
Juizados Especiais Cíveis para esse valor? E, também,
por que não transformar em regra esses Juizados, que hoje
são exceção em relação ao nosso
sistema? Toda a estrutura do Judiciário poderia ser voltada
para processar essas causas, criando-se, residualmente, varas especializadas
para grandes causas e para matérias específicas (causas
de natureza familiar e alimentar, falimentar, fiscal e de interesse
da Fazenda Pública etc.). Creio que seria uma solução
mais racional e adequada à nossa realidade atual.
Outra forma de se buscar a celeridade e efetividade
processual que tanto esperamos é utilizarmos mais as ações
coletivas. O nosso sistema das ações coletivas, formado
principalmente pelas Leis nº 7.347/85 (Lei da Ação
Civil Pública) e nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor), que interagem entre si, é extremamente célere,
eficaz e ainda permite a democratização da Justiça,
na medida em que uma única sentença pode favorecer
a toda uma coletividade. Relembro que em 1999, quando houve a desvalorização
do real frente ao dólar norte-americana, a OAB ajuizou uma
ação coletiva beneficiando milhares de consumidores
que tinham seus contratos corrigidos através daquela moeda.
Mas não é somente através
de medidas técnicas que alcançaremos a Justiça
que esperamos. Precisamos, também, criar um novo conceito
de Judiciário e Justiça, através de soluções
culturais. Sem querer me tornar cansativo, nem me prender a tecnicismos
(o que não é objeto deste artigo), relembro que a
função principal do Poder Judiciário é
buscar a pacificação social, na medida em que o Estado
moderno não admite mais a autotutela, ou seja, não
permite mais que os particulares façam "justiça
com as próprias mãos". Aliás, a autotutela
é definida como crime, previsto no art. 345 do Código
Penal ("exercício arbitrário das próprias
razões").
Assim, uma das formas de se alcançar
àquela mudança conceitual mencionada acima é
encontrar meios alternativos de pacificação social,
através de mudanças culturais. O estímulo à
arbitragem — muito difundida emoutros países — é uma
forma rápida de solução dos conflitos, sem
a intervenção do Poder Judiciário. A Lei nº
9.307/96, que institui a arbitragem no Brasil (embora pouco difundida),
dispõe que pessoas capazes de contratar poderão valer-se
da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis (art. 1º), e que a sentença
arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelo
órgão do Poder Judiciário (art. 31). É,
portanto, uma forma rápida e eficaz de solução
de conflitos.
As alternativas não param por aí.
Outro motivo que causa um grande número de demandas perante
o Judiciário é a falta da cultura jurídica
em nossa sociedade. Não há a cultura de documentar
os assuntos que são tratados, tampouco a cultura de se consultar
um advogado antes de realizar um negócio jurídico.
Deixa-se para procurar um advogado somente no momento em que o conflito
já se instaurou (muitas vezes tarde demais!), quando o ideal
seria uma medida profilática. A consulta a um advogado antes
de se realizar um negócio jurídico pode evitar um
conflito social, o qual acabará por bater às portas
do Judiciário, congestionando-o como ocorre hoje, causando
a "eternização" das demandas. É necessário,
portanto, mudar essa cultura.
Aliás, entendo que uma boa maneira de
se mudar essa cultura é a implantação na grade
curricular, do ensino médio, da rede pública, de uma
disciplina que ensine direitos básicos, lecionada por profissionais
do Direito. Com essa medida teríamos em algum tempo uma nova
geração de pessoas conhecedoras do Direito, devidamente
preparadas para a vida em sociedade. A OAB em São Paulo vem
tendo, já há alguns anos, uma experiência muito
boa nesse sentido, através de seu projeto denominado "A
OAB VAI À ESCOLA", onde advogados voluntários
ministram palestras elementares sobre o Direito para alunos da rede
pública. Essas palestras despertam grande interesse aos alunos,
além de lhes proporcionar ganho em termos de cidadania e
inclusão social.
Todas essas medidas acima contribuiriam, em
muito, para desafogar nossos Tribunais, e dar maior celeridade e
efetividade aos processos, propiciando Justiça rápida
para todos.
Como se pode perceber, inúmeras são
as alternativas para solucionarmos os problemas de nosso Judiciário
e da nossa Justiça. Basta que se tenha vontade política.
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